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Concorrência, segurança e expropriação regulatória: o fim da marca nos botijões?

05/09/2019


Artigo publicado: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/concorrencia-seguranca-e-expropriacao-regulatoria-o-fim-da-marca-nos-botijoes-04092019

 

Azul, dourado, prateado, verde…, mas sempre com uma marca estampada, característica em todos os botijões de gás em circulação no Brasil. Atualmente, os consumidores brasileiros e as autoridades fiscalizadoras conseguem identicar a procedência de um botijão de gás liquefeito de petróleo (“GLP”), popularmente conhecido como gás de cozinha, a partir de uma simples observação do produto,


Além de permitir aos consumidores a identicação da procedência e, por conseguinte, da qualidade de cada botijão, a presença da marca também possibilita a responsabilização da distribuidora que o comercializou em caso de acidentes ou mau funcionamento, algo importante em se tratando de um produto inflamável. A marca se traduz, portanto, como uma variável competitiva relevante em um setor cujo produto comercializado é, em tudo mais, bastante homogêneo e funciona como um mecanismo eficaz de sinalização de qualidade e de segurança, bem como de responsabilização.

 

A marca aqui também gera um incentivo positivo. Sabendo que, no caso de algum acidente ou problema de qualidade, serão facilmente identicáveis e responsabilizadas, as distribuidoras de GLP envasado investem tempo e dinheiro na inserção, manutenção e troca constante dos seus vasilhames. Foram registrados, em 2017, apenas 21 acidentes ocasionados diretamente por problemas em recipientes de GLP de 13 kg em um universo de quase 400 milhões de botijões deste tipo engarrafados, naquele ano, no Brasil.

 

Foi pensando justamente em garantir isso – segurança e competitividade –, aliás, que se tornou obrigatória, em 1996, a presença da marca nos vasilhames de cada empresa, vedando-se o enchimento e a comercialização de vasilhames de marcas de terceiros. Naquele ano, foi assinado o “Código de Autorregulamentação Relativo ao Envasilhamento, à Comercialização e à Distribuição de Gás Liquefeito de Petróleo”, pelo qual as distribuidoras também se comprometeram a realizar a manutenção dos botijões em circulação no país a partir de um programa de requalicação. Essas disposições já foram reiteradas pela Agência Nacional do Petróleo – ANP em mais de uma ocasião, incluindo a recentíssima raticação pela Resolução ANP nº 49, de 2016.


No entanto, o Poder Executivo Federal vem ventilando, desde o final de 2018, a possibilidade de uma alteração regulatória com o intuito de permitir o enchimento e a comercialização de botijões de outras marcas por quaisquer distribuidoras. Tratase de uma proposta realmente não usual e instintivamente problemática de um ponto de vista de direitos de propriedade e concorrencial: permitir que um concorrente use a marca de outro.



Com essa alteração, as firmas atuantes nesse mercado poderiam preencher vasilhames de qualquer outra marca com o seu próprio gás. Como resultado, a marca deixaria de sinalizar a empresa que encheu e comercializou aquele botijão, bem como a distribuidora que fez a sua manutenção. Por conseguinte, nem consumidores nem autoridades fiscalizadoras conseguiriam identicar quem exatamente é responsável por um dado vasilhame em circulação.


O intuito dessa alteração, ventilada pela ANP e, mais recentemente, pelo Ministério da Economia, parece paradoxalmente ser uma tentativa, louvável, de promover mais competição no setor brasileiro de GLP, permitindo que novos agentes tenham acesso a botijões. É duvidoso, porém, se tal medida alcançaria esta nalidade prócompetitiva. Ao mesmo tempo, ela gera alguns problemas potencialmente graves.


Primeiro, ao inutilizar uma das principais variáveis competitivas do setor de GLP envasado – a marca –, a medida estudada parece caminhar em sentido oposto ao de incremento de competição.


Por outro lado, além de não promover a concorrência, a proposta virtualmente acaba com as garantias e incentivos existentes relacionados à rastreabilidade, responsabilização e segurança dos botijões em circulação. Afinal, que empresa investirá em manutenção do seu botijão para depois este ser usado por um free rider concorrente? Qual empresa investirá em segurança do vasilhame, se no caso de um acidente ninguém conseguirá identicá-la? E como, de fato, as autoridades conseguirão rastrear e responsabilizar empresas cujos botijões sejam problemáticos? A questão é séria, pois pode levar à substituição de um modelo seguro e rastreável, por um cenário em que imperaria o efeito carona, com a crescente introdução de produtos de má qualidade, gerando riscos à vida e à propriedade dos consumidores.


Por fim, surge também uma questão central: quem vai pagar a conta pela virtual perda de inúmeros investimentos feitos pelas firmas incumbentes ao longo dos anos, em razão da possível introdução de um modelo regulatório que quebra grandemente os incentivos previamente sinalizados pela regulação atual e que introduz uma política potencialmente amparada em um efeito carona sobre os investimentos de terceiros?


Veja-se que, para a instalação do atual modelo, estabelecido, determinado e incentivado pelo próprio Estado e, além disso, em parte responsável pela estruturação e pelo desenvolvimento do setor de GLP no país, foram realizados intensos agentes do setor. Citam-se alguns, a título de exemplo.


Primeiro, os próprios botijões. Pelas normas atuais, cada distribuidora deve aportar ao mercado, com a sua marca, a quantidade de vasilhames suciente para carregar o gás que comercializa.O que já leva a uma importante questão: os eventuais entrantes no novo modelo estudado pelo Poder Executivo Federal, para além de poderem usar os botijões com as marcas dos incumbentes que nela investiram, poderão entrar sem aportar novos botijões, pegando ainda mais carona nos investimentos alheios?


Houve, é claro, algum esforço ou ganho relacionado ao estabelecimento da marca de cada empresa, para com o tempo ser reconhecida como um símbolo de confiança e procedência, o que também, no novo modelo, seria perdido ou apropriado por terceiros, de graça.


Finalmente, o atual modelo de enchimento e comercialização de vasilhames de marca própria é o responsável pelos maciços investimentos, por parte das distribuidoras, na manutenção e na preservação do parque brasileiro de botijões. Para ilustrar tais investimentos, tome-se como exemplo os recipientes transportáveis de 13 kg, os mais usados nas casas brasileiras: são, anualmente, mais de 10 milhões de botijões requalicados e cerca de 2,5 de vasilhames novos inseridos no mercado.9 Com esses investimentos, garante-se que o parque brasileiro de botijões seja composto por cilindros de GLP que tem se mostrado estatisticamente seguros. Como dito, as distribuidoras hoje têm grandes incentivos para fazer isso, pois, no atual modelo, são facilmente responsabilizáveis. No novo, não mais. Vê-se aqui também, portanto, o perdimento de investimentos passados, ou o seu compartilhamento com free riders, e fortes desincentivos para investimentos futuros.
Falando em desincentivos a investimentos futuros, também não é atrativo ver um Estado trocar por completo, de uma hora para outra, o modelo regulatório que ele próprio instalou e reiterou, demandando pesados dispêndios de recursos. Tudo isso em troca de fins com resultados bastante duvidosos e potencialmente contrários ao que se almeja.


Afora os potenciais riscos à concorrência, à segurança e aos investimentos no setor, porém, surge também a pergunta sobre como será encarada a perda, ou compartilhamento compulsório com terceiros, dos investimentos passados dos agentes privados. Na nova proposta de modelo regulatório, não foi apontado se ou como tais perdas serão repostas. Mais do que isso, não há apenas perda de investimentos passados, mas, também, de resultados futuros das distribuidoras originados desses investimentos. Fato é que os investimentos feitos por tais agentes foram motivados pela garantia de que os botijões, sob sua responsabilidade e com a sua marca estampada, só seriam enchidos e comercializados por eles próprios. No novo modelo ventilado, tal garantia é abandonada.


Não é de todo exagerado dizer que a alteração ventilada poderia gerar uma espécie de “expropriação regulatória” em desfavor dos agentes desse mercado que nele investiram. Trata-se de uma quebra de paradigma regulatório ou, em outras palavras, de uma quebra contratual por parte do regulador. Há uma ruptura e gera-se um cenário de incerteza e de insegurança jurídica, o que, a princípio, também é contrário ao objetivo dos reguladores.


É preciso pensar duas vezes.









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